• Letícia Piccolo*
  • Colaboração para Marie Claire
Atualizado em

Uma vez eu li em uma camiseta: "vacinas causam adultos". Parece uma frase meio sem sentido nos primeiros dois ou três segundos, mas, na sequência, você toma um tapa na cara com a verdade que ela te entrega: não chegaríamos à vida adulta, não fosse por elas.

. (Foto: Malte Mueller/Getty Images)

Foto: Malte Mueller/Getty Images)


2020 virou nossa vida de cabeça para baixo. E, há um ano, todos os nossos desejos foram colocados em segundo plano. Passamos a desejar uma coisa só. Ela, o antídoto contra todas as restrições que o corona nos impôs. A vacina. No dia 17 de janeiro, por unanimidade, a Diretoria Colegiada da Anvisa aprovou a autorização temporária do uso emergencial das vacinas CoronaVac e Covishield. Ela, finalmente, chegou. Nosso sonho, hoje: ver a agulha perfurando lentamente nosso deltóide e injetando para dentro do nosso corpo a substância que nos devolverá a vida lá de trás. A substância que nos trará, no fim das contas, de volta à paz.

Como funciona uma vacina?
A gente injeta no nosso corpo o causador da doença, mas, em doses bem baixas e de uma forma que ele não consiga causar a doença. Daí nosso sistema imunológico imediatamente percebe que se trata de um corpo estranho e uma ameaça à saúde do corpo. E começa a se preparar para exterminá-lo. Quando, então, tivermos contato novamente com o causador da doença - dessa vez vivo e bem mais forte - nosso sistema imunológico já sabe como lutar contra ele. De modo que ou não pegamos a doença ou pegamos e conseguimos responder tão rápido, mas tão rápido, que temos quadros bem mais leves do que teríamos tido caso nunca tivéssemos tido contato anterior com ele.

A vacina produzida pelo Instituto Butantan não pode causar a doença pois é feita de vírus inativado. Se o vírus foi inativado, não consegue se reproduzir e, se não se reproduz, não consegue fazer uma pessoa ficar doente. Para produzir uma vacina de vírus inativado é preciso produzir um monte de vírus e, depois, inativá-lo. Isso dá muito trabalho e custa muito caro. Mas, tem um monte de vantagens.

Forma já conhecida de se produzir vacinas
Não há nada de novo na tecnologia envolvida na produção da CoronaVac. Só o vírus mesmo. É uma técnica bastante conhecida e tradicional de imunização. São décadas experiência: quase 70 anos. Outras vacinas, como gripe, hepatite A e poliomielite injetável também usam a mesma tecnologia.

Logística fácil
Enquanto a vacina da Pfizer precisa ser armazenada a menos 70°C - o que dificulta muito o armazenamento e o transporte das vacinas - a CoronaVac pode ser armazenada em refrigeradores comuns, com temperatura entre 2 e 8°C.

La casa de la vacina
Quem assistiu à série La Casa de Papel consegue ter uma ideia de como estão as coisas lá no Butantan. Sete dias por semana, vinte e quatro horas por dia, com uma força de trabalho 50% maior, o Butantan fabrica, hoje, 1 milhão de doses de vacina por dia.

Como é o esquema vacinal?
Duas doses com um intervalo de 14 a 28 dias entre elas.

Mas a proteção não é baixa demais?
Se você toma a vacina, tem 50% menos chance de se infectar, 78% de chance de ter um quadro leve ao se infectar e, em teoria, 0% de chance de morrer dessa doença. Todos os índices são superiores ao patamar de 50% exigido pela OMS. Como o estudo foi feito em milhares de profissionais de saúde que estão na linha de frente, pode ser que o efeito na popolução geral possa ser ainda maior. Quanto pior a doença, maior parece ser a eficácia da vacina. Pode ser que ela não te impeça de pegar o vírus. Mas, se pegar, seus sintomas serão muito menores do que se não tivesse tomado e, em teoria, você não tem mais chance de morrer da doença. Nunca é demais lembrar: com ou sem vacina nossos cuidados em relação ao distanciamento e ao uso de máscaras devem todos ser mantidos. O melhor, mesmo, claro, continua sendo não se contaminar.

Posso ter alguma reação à vacina?
A vacina COVID-19 do Butantan é muito segura. Somente 0,3% de reações alérgicas foram relatadas. E zero por cento de reações anafiláticas.

É a nossa vacina!
A melhor vacina, sem dúvida, é a que a gente tem. Bora se vacinar. Pra gente poder voltar a se tocar e a se abraçar. E que nossa vida possa, finalmente, voltar pro lugar. Para a gente engravidar, a gente precisa estar viva.

Neste momento somente grupos de risco e profissionais da saúde serão imunizados. Mas e as profissionais de saúde em idade reprodutiva? Podem tomar? E as grávidas? E quem tá amamentando ou tentando engravidar? Em bula, o Butantan não orienta a vacinação de gestantes. E não há orientação específica para quem amamenta ou está tentando engravidar. A FEBRASGO - Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia, baseada no tipo de vacina e em guidelines internacionais deu orientações mais específicas. Mulheres em idade reprodutiva e em condições de risco não precisam de um teste de gravidez negativo como pré-requisito para se vacinar. Mullheres tentando engravidar - conhecidas por tentantes - são orientadas a tomar a vacina e esperar um mês depois de terminar as duas doses para voltar a tentar. E se você se vacinou e, na sequência descobriu que estava grávida, calma. É muito baixa a chance de que a vacina faça mal ao seu bebê.

Para as gestantes e lactantes pertencentes ao grupo de risco, a vacinação poderá ser realizada após avaliação dos riscos e benefícios em decisão compartilhada entre a mulher e seu médico. Estudos em animais não demonstraram risco de mal-formação. A diferença entre a vacina da gripe e a da COVID-19 é que a da gripe teve tempo de ter todos os estudos de segurança realizados.

Vacinas de vírus inativado - como é o caso da vacina de gripe e da CoronaVac - são consideradas seguras na gestação. Esse jeito de fazer vacinas, como já comentamos, já é utilizada há muito tempo, inclusive em várias vacinas que grávidas podem tomar, como tétano, coqueluche e gripe (influenza).

Vacinas causam adultos. Eu espero que ela cause mães também.

Se você tem alguma dúvida sobre a CoronaVac entre em contato com o Instituto Butantan, 0800 7012850, ou acesse o site vacinacovid.butantan.gov.br .

*Letícia Piccolo é ginecologista especialista em fertilidade e reprodução humana.